sábado, 28 de julho de 2012

Para passar o tempo (2)

      Logo depois de ler Precisamos falar sobre o Kevin senti que a próxima leitura precisava ser um pouco menos... apaixonante, estressante, maravilhosa. Até hoje minhas piores crises de identidade e choradeiras foram resultado de algum livro que me chocou. Sendo assim, decidi dar uma reanimada e, como já tinha explicado anteriormente, Agatha é minha cura pra esses momentos de estresse pós-leitura.
     A morte da Senhora McGinty foi uma grata surpresa para mim. Reencontrar Poirot e seus bigodes é sempre um prazer, principalmente quando tem algum assassinato escabroso no meio. Mas dessa vez o caso parecia ser o mais simples possível: uma idosa, numa cidadezinha interiorana inglesa, esconde seu dinheiro debaixo do assoalho. Um belo dia, seu inquilino necessitado a mata e rouba suas economias, sendo posteriormente preso e condenado à morte. E isso é o fim. Só que justamente aquele que prendeu o indivíduo, o Superintendente Spence, é o único que acredita na inocência desse homem. Conhecendo os talentos de Poirot de outra época, ele pede que o detetive reveja todo o caso para encontrar o verdadeiro assassino.
      Essa é, essencialmente, a base da história. A narrativa é bastante linear e somos bombardeados por um monte de pistas. A rainha do crime mais uma vez aproveita para desvendar um pouco mais do que há por trás da aparência beatífica do interior inglês. Dei boas gargalhadas com o "sofrimento" do sensível Poirot, mal instalado na única pensão de Broadhinny, onde a Sra. McGinty foi assassinada. Destaque também para a  divertidíssima  participação da Sra. Oliver, escritora de romances policiais.
       Sobre o desfecho é óbvio que seria absurdo eu revelar qualquer coisa. Não é impressionante, mas para aqueles que não leem muito Agatha é imprevisível. Quem está familiarizado vai se zangar um pouco com o repetido estratagema de determinado personagem não ser quem alega que é, mas nada que prejudique o bom momento que se passa com esse livro nas mãos. Eu recomendaria muito pra quem está começando a conhecer a escritora. Não é um livro maravilhoso, mas vale a lida. 

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Alguns dias de paixão

      Apaixonar-se por alguém ou por algo é uma das sensações mais sublimes e desesperadoras pela qual o ser humano tem de passar. Depois de muito tempo sem sentir essa sensação, tenho que confessar que eu me apaixonei. Durante três dias, só pude pensar em uma única coisa: no livro Precisamos falar sobre o Kevin. Ao comer, ao assistir a cobiçada versão estendida de O Senhor dos Anéis, ao dirigir... o único que podia fazer era refletir sobre a triste história da família Khatchadourian. Parece exagero? Então deixa eu te falar um pouco sobre essa obra magistral.
      Eva Khatchadourian é uma mulher do século XXI, embora temporalmente sua vida se restrinja às décadas finais dos 1900. Fundadora de sua própria empresa, é bonita, inteligente, bem-sucedida e feliz no casamento. Seu marido, Franklin, é um norte-americano típico, patriota, jogador de beisebol inveterado, enfim, o oposto de Eva. Em todo caso, eles eram felizes. Não tinham filhos, mas estavam satisfeitos. Porém, como tudo nessa vida, um olhar mais profundo revelava que algo fazia falta aos dois. O que era? Um filho, talvez? Tentando chegar a uma resposta, Eva, que perto dos 40 ainda não sentia nenhum impulso maternal, decide engravidar. E é em torno do fruto dessa gestação, Kevin, que a gira a narrativa. 
      A história é contada através de cartas escritas por Eva para seu marido. Nelas, essa mãe angustiada revisita toda a sua vida e a de sua família para tentar entender o que levou Kevin, aos 15 anos, a matar nove pessoas dentro de sua escola. Tenho que dizer que nunca simpatizei tanto com um narrador. Cruamente, Eva vai analisando cada evento, cada gesto, cada emoção, o que nos proporciona um texto de uma sinceridade arrebatadora.
      Mais do que analisar a sua própria história, Eva reflete profundamente sobre um dos maiores pilares -  e tabus - da humanidade: a maternidade.  Ao romper o laço mais sagrado de todos, ao não sentir amor pelo próprio filho, essa mulher consegue nos fazer pensar sobre algo que não se deve pensar. Ser mãe é lindo, maravilhoso, inestimável e pronto. Eva nos questiona: é tão simples assim?
      Apesar disso, a ponderação sobre a maternidade é apenas o ápice de reflexões mais profundas sobre a vida em família e sobre as emoções que se escondem sob a superfície do ser humano. Só posso afirmar que foi um gosto acompanhar o pensamento dessa mulher, cujo digladiar interno nos fornece uma das histórias mais brilhantes que tive o prazer de ler. Como sempre, abaixo vai um dos trechos que mais gostei:

"Portanto, meu receio não era apenas de virar minha mãe, eu temia ser mãe. Tinha medo de me tornar aquela âncora segura e estacionária que fornece a plataforma para a decolagem de mais um jovem aventureiro, cujas viagens eu talvez inveje e cujo futuro ainda não tem amarras nem mapas. Tinha medo de virar aquela figura arquetípica na soleira da porta - desmazelada, meio gorda - que acena adeuses e manda beijos enquanto uma mochila é posta no porta-malas; que enxuga os olhos com o babado do avental sob a fumaça do cano de escape; que se vira, desolada, passa o trinco na porta e vai lavar os poucos pratos que restaram na pia, sob um silêncio que pesa sobre a cozinha como um teto caído. Mais do que partir, eu tinha pavor de ser deixada. [...]
Franklin, eu tinha verdadeiro pavor de ter um filho. Antes de engravidar, minha visão do que significava criar uma criança - ler histórias sobre trens e casinhas com um sorriso no rosto, na hora de dormir, enfiar papinhas em bocas escancaradas - parecia ser a de outra pessoa. Eu morria de medo de um confronto com meu próprio egoísmo e falta de generosidade, com o poder denso e tardio do meu próprio ressentimento. Por mais intrigada que estivesse com o 'virar da página', sentia-me mortificada com a perspectiva de me ver irremediavelmente encurralada na história alheia. E creio que foi esse terror que talvez tenha me atraído, da mesma forma como um parapeito nos tenta a dar o salto. A intransponibilidade da tarefa, sua falta absoluta de atrativos, foi o que, no fim, me seduziu."

      Acho que eu não poderia dizer mais nada sem desfazer um pouco o mistério do livro, então vou me restringir a isso. Super indicado para todos, é uma leitura tranquila, nada de dicionários e referências obscuras, mas, se você realmente quiser entender sobre o que Eva está falando, tem de parar por um momento para refletir e absorver suas palavras - a leitura é quase que um exercício filosófico. Simplesmente é um livro que se deve ter na estante. Eu já estou providenciando o meu.

domingo, 22 de julho de 2012

Para passar o tempo

          Agatha Christie é uma das minhas escritoras favoritas. Adoro lê-la entre dois romances pesados porque ela me permite dar uma pausa para respirar, para me divertir e para não me deprimir com alguns livros que leio. Suas histórias me propiciam isso não por serem estúpidas ou irreais, mas porque tem uma forma tão familiar de serem contadas, pelo menos para mim, que eu me sinto em território conhecido. Enfim, já li dezenas de livros dela e conforme me seja possível vou escrever sobre eles aqui.
             Poirot e o mistério da arca espanhola £ outras histórias se sobressaiu na biblioteca porque eu amo Poirot, o detetive mais famoso da rainha do crime. Só que como eu já li um monte de seus livros, achar uma história inédita na qual ele participe é um pouco complicado para mim por requerer uma certa procura. Por isso, o título encheu meus olhos, digamos assim.
           Na verdade, o livro é uma compilação de nove histórias e é somente em uma delas que Poirot aparece. Quem está familiarizado com Agatha vai perceber que ela adota um tom diferente nessas pequenas narrativas. Há uma abordagem mais psicológica e, portanto, mais profunda dos personagens. A maior parte da ação se dá na mente dos protagonistas, principalmente em A casa dos sonhos e Dentro de uma parede.
               Adorei a lição por trás de O limite, cuja breve discussão sobre a loucura me prendeu bastante. Já A atriz e O ouro de Manx não conseguiram me cativar, especialmente o último. O deus solitário tem aquele adorável romantismo clássico de Agatha, simples e cativante, e O jogo de chá do arlequim conseguiu me marcar, graças a rara aparição de Harley Quinn. Por incrível que pareça, Poirot e o mistério da arca espanhola foi simplesmente mais do mesmo, com um desfecho de certa forma previsível e com a típica personagem femme fatale sobre a qual Agatha tanto gosta de dissertar através de seu brilhante detetive. Destaque para Enquanto a noite durar, a joia da coroa, breve e bela.
             Não falo nada mais específico sobre os enredos porque tiraria toda a graça. Diria que é um livro adequado para ser lido na fila de espera do banco ou no ônibus a caminho da faculdade. Uma leitura agradável.

terça-feira, 10 de julho de 2012

UMA BIOGRAFIA ESTRANHA


Pode parecer pieguice minha, mas aquele momento no qual, sem indicação alguma, escolho um livro dentre os milhares de uma livraria, só por uma atração que acontece, por assim dizer, é um momento de pura magia. Você poderia ter escolhido ler a sinopse daquele livro na vitrine ou daquele com a capa super chamativa logo na prateleira a altura dos seus olhos, mas pegou aquele meio empoeirado da prateleira de baixo, leu as orelhas, o primeiro capítulo e quando viu estava sentada no chão lendo com sofreguidão e pensando “tem que ser meu”.
Bom, tenho de convir, mesmo pra mim que sou rato de biblioteca achar uma paixão dessas por acaso não é comum. Normalmente, você já vai com uma listinha de opções para ler/comprar e se guia por ela. Sorte a minha, em maio encontrei uma dessas maravilhas em minhas andanças pela livraria cultura. A obra-prima (não tenho como usar outro termo e logo você vai saber por que) pode assustar alguns com suas mais de 600 páginas, mas prende o leitor do começo ao fim. O IMPERADOR de TODOS os MALES {Uma biografia do CÂNCER}, do oncologista indiano Siddhartha Mukherjee, à primeira vista, é uma obra para os da área da saúde (e realmente foi encontrado na seção de medicina). Entretanto, as primeiras páginas logo derrubam essa barreira e fazem com que o leitor mergulhe na apaixonante história do câncer – e da humanidade- para emergir apenas ao final da última página.
Merecidamente, essa estranha biografia, que acompanha a história do câncer desde o primeiro relato médico de um tumor feito há 4 500 anos, rendeu ao autor o prêmio Pulitzer de não ficção de 2011. O livro é uma deliciosa mistura de ciência, história, política e os bastidores por trás de tudo isso. A construção dos capítulos é de uma técnica primorosa, alternando histórias sobre pacientes com câncer que o autor tratou ou não, descobertas científicas, importantes momentos históricos e mini biografias dos grandes médicos e cientistas por trás dos estudos e do tratamento do câncer.
Acompanhar a longíssima “vida” do câncer é como acompanhar a trajetória de um personagem que sobrevive a todas as eras e que, pior, se fortalece com o passar dos tempos. Embora remonte aos primórdios da humanidade, o câncer é um medo do homem moderno. Conforme a humanidade conjuntamente envelhece, a temível doença ganha cada vez mais força. Não é á toa que, em 2010, mais de 7 milhões de pessoas morreram de câncer no mundo. E, conforme Siddhartha, esses números tendem a aumentar.
Todos nós conhecemos alguém que já teve câncer, próximo ou não. Mais do que a própria morte, o que nos aterroriza é o angustiante processo de morrer que acompanha a enfermidade e que termina com alguns pacientes voltando à vida e outros pondo um ponto um final a jornada. O livro nos permite acompanhar algumas dessas pessoas em sua luta para sobreviver, em sua sobrevida ou, em muitos casos, em sua morte. Só pra dar um gostinho, um dos trechos que eu mais gostei:

“Esse serviço fúnebre improvisado mexe conosco. Eu me junto a eles, recitando os nomes de meus pacientes que morreram e acrescentando uma ou duas frase em memória de cada um.
Kenneth Armor, 62 anos, câncer de estômago. Em seus últimos dias, tudo o que queria era tirar férias com a mulher e ter tempo para brincar com seus gatos.
Oscar Fisher, 38 anos, tinha câncer de pulmão de pequenas células. Deficiente cognitivo desde que nasceu, era o filho predileto da mãe. Quando morreu, ela enfiava rosários entre seus dedos.
Aquela noite fico sentado sozinho com minha lista, lembrando nomes e rostos até tarde. Como é que se presta homenagem fúnebre a um paciente? Esses homens e mulheres foram meus amigos, meus interlocutores, meus mestres – uma família substituta. Levanto-me junto à minha escrivaninha, como se estivesse num funeral, as orelhas quentes de emoção, os olhos rasos de lágrimas.”

A leitura é enriquecedora de muitas outras maneiras, mas acho que com isso já se pode decidir sobre ler ou não esse livro. Pode ser lido tranquilamente por um leigo que goste de ciência e de história. Prepare-se para derramar algumas lágrimas, rir um pouco e se espantar com o submundo por trás do câncer. Impossível de se arrepender.