Pode parecer pieguice minha, mas aquele momento no
qual, sem indicação alguma, escolho um livro dentre os milhares de uma
livraria, só por uma atração que acontece, por assim dizer, é um momento de
pura magia. Você poderia ter escolhido ler a sinopse daquele livro na vitrine
ou daquele com a capa super chamativa logo na prateleira a altura dos seus
olhos, mas pegou aquele meio empoeirado da prateleira de baixo, leu as orelhas,
o primeiro capítulo e quando viu estava sentada no chão lendo com sofreguidão e
pensando “tem que ser meu”.
Bom, tenho de convir, mesmo pra mim que sou rato de
biblioteca achar uma paixão dessas por acaso não é comum. Normalmente,
você já vai com uma listinha de opções para ler/comprar e se guia por ela.
Sorte a minha, em maio encontrei uma dessas maravilhas em minhas andanças pela
livraria cultura. A obra-prima (não tenho como usar outro termo e logo você vai
saber por que) pode assustar alguns com suas mais de 600 páginas, mas prende o
leitor do começo ao fim. O IMPERADOR de
TODOS os MALES {Uma biografia do CÂNCER}, do oncologista indiano Siddhartha
Mukherjee, à primeira vista, é uma obra para os da área da saúde (e realmente
foi encontrado na seção de medicina). Entretanto, as primeiras páginas logo
derrubam essa barreira e fazem com que o leitor mergulhe na apaixonante
história do câncer – e da humanidade- para emergir apenas ao final da última
página.
Merecidamente, essa estranha biografia, que
acompanha a história do câncer desde o primeiro relato médico de um tumor feito
há 4 500 anos, rendeu ao autor o prêmio Pulitzer de não ficção de 2011. O livro
é uma deliciosa mistura de ciência, história, política e os bastidores por trás
de tudo isso. A construção dos capítulos é de uma técnica primorosa, alternando
histórias sobre pacientes com câncer que o autor tratou ou não, descobertas
científicas, importantes momentos históricos e mini biografias dos grandes
médicos e cientistas por trás dos estudos e do tratamento do câncer.
Acompanhar a longíssima “vida” do câncer é como
acompanhar a trajetória de um personagem que sobrevive a todas as eras e que,
pior, se fortalece com o passar dos tempos. Embora remonte aos primórdios da
humanidade, o câncer é um medo do homem moderno. Conforme a humanidade
conjuntamente envelhece, a temível doença ganha cada vez mais força. Não é á toa
que, em 2010, mais de 7 milhões de pessoas morreram de câncer no mundo. E,
conforme Siddhartha, esses números tendem a aumentar.
Todos nós conhecemos alguém que já teve câncer,
próximo ou não. Mais do que a própria morte, o que nos aterroriza é o angustiante
processo de morrer que acompanha a enfermidade e que termina com alguns
pacientes voltando à vida e outros pondo um ponto um final a jornada. O livro
nos permite acompanhar algumas dessas pessoas em sua luta para sobreviver, em
sua sobrevida ou, em muitos casos, em sua morte. Só pra dar um gostinho, um dos
trechos que eu mais gostei:
“Esse serviço fúnebre improvisado mexe conosco. Eu me junto a eles,
recitando os nomes de meus pacientes que morreram e acrescentando uma ou duas
frase em memória de cada um.
Kenneth Armor, 62 anos, câncer de estômago. Em seus últimos dias, tudo
o que queria era tirar férias com a mulher e ter tempo para brincar com seus
gatos.
Oscar Fisher, 38 anos, tinha câncer de pulmão de pequenas células.
Deficiente cognitivo desde que nasceu, era o filho predileto da mãe. Quando
morreu, ela enfiava rosários entre seus dedos.
Aquela noite fico sentado sozinho com minha lista, lembrando nomes e
rostos até tarde. Como é que se presta homenagem fúnebre a um paciente? Esses
homens e mulheres foram meus amigos, meus interlocutores, meus mestres – uma
família substituta. Levanto-me junto à minha escrivaninha, como se estivesse
num funeral, as orelhas quentes de emoção, os olhos rasos de lágrimas.”
A leitura é enriquecedora de muitas outras
maneiras, mas acho que com isso já se pode decidir sobre ler ou não esse livro.
Pode ser lido tranquilamente por um leigo que goste de ciência e de
história. Prepare-se para derramar algumas lágrimas, rir um pouco e se espantar
com o submundo por trás do câncer. Impossível de se arrepender.
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