terça-feira, 10 de julho de 2012

UMA BIOGRAFIA ESTRANHA


Pode parecer pieguice minha, mas aquele momento no qual, sem indicação alguma, escolho um livro dentre os milhares de uma livraria, só por uma atração que acontece, por assim dizer, é um momento de pura magia. Você poderia ter escolhido ler a sinopse daquele livro na vitrine ou daquele com a capa super chamativa logo na prateleira a altura dos seus olhos, mas pegou aquele meio empoeirado da prateleira de baixo, leu as orelhas, o primeiro capítulo e quando viu estava sentada no chão lendo com sofreguidão e pensando “tem que ser meu”.
Bom, tenho de convir, mesmo pra mim que sou rato de biblioteca achar uma paixão dessas por acaso não é comum. Normalmente, você já vai com uma listinha de opções para ler/comprar e se guia por ela. Sorte a minha, em maio encontrei uma dessas maravilhas em minhas andanças pela livraria cultura. A obra-prima (não tenho como usar outro termo e logo você vai saber por que) pode assustar alguns com suas mais de 600 páginas, mas prende o leitor do começo ao fim. O IMPERADOR de TODOS os MALES {Uma biografia do CÂNCER}, do oncologista indiano Siddhartha Mukherjee, à primeira vista, é uma obra para os da área da saúde (e realmente foi encontrado na seção de medicina). Entretanto, as primeiras páginas logo derrubam essa barreira e fazem com que o leitor mergulhe na apaixonante história do câncer – e da humanidade- para emergir apenas ao final da última página.
Merecidamente, essa estranha biografia, que acompanha a história do câncer desde o primeiro relato médico de um tumor feito há 4 500 anos, rendeu ao autor o prêmio Pulitzer de não ficção de 2011. O livro é uma deliciosa mistura de ciência, história, política e os bastidores por trás de tudo isso. A construção dos capítulos é de uma técnica primorosa, alternando histórias sobre pacientes com câncer que o autor tratou ou não, descobertas científicas, importantes momentos históricos e mini biografias dos grandes médicos e cientistas por trás dos estudos e do tratamento do câncer.
Acompanhar a longíssima “vida” do câncer é como acompanhar a trajetória de um personagem que sobrevive a todas as eras e que, pior, se fortalece com o passar dos tempos. Embora remonte aos primórdios da humanidade, o câncer é um medo do homem moderno. Conforme a humanidade conjuntamente envelhece, a temível doença ganha cada vez mais força. Não é á toa que, em 2010, mais de 7 milhões de pessoas morreram de câncer no mundo. E, conforme Siddhartha, esses números tendem a aumentar.
Todos nós conhecemos alguém que já teve câncer, próximo ou não. Mais do que a própria morte, o que nos aterroriza é o angustiante processo de morrer que acompanha a enfermidade e que termina com alguns pacientes voltando à vida e outros pondo um ponto um final a jornada. O livro nos permite acompanhar algumas dessas pessoas em sua luta para sobreviver, em sua sobrevida ou, em muitos casos, em sua morte. Só pra dar um gostinho, um dos trechos que eu mais gostei:

“Esse serviço fúnebre improvisado mexe conosco. Eu me junto a eles, recitando os nomes de meus pacientes que morreram e acrescentando uma ou duas frase em memória de cada um.
Kenneth Armor, 62 anos, câncer de estômago. Em seus últimos dias, tudo o que queria era tirar férias com a mulher e ter tempo para brincar com seus gatos.
Oscar Fisher, 38 anos, tinha câncer de pulmão de pequenas células. Deficiente cognitivo desde que nasceu, era o filho predileto da mãe. Quando morreu, ela enfiava rosários entre seus dedos.
Aquela noite fico sentado sozinho com minha lista, lembrando nomes e rostos até tarde. Como é que se presta homenagem fúnebre a um paciente? Esses homens e mulheres foram meus amigos, meus interlocutores, meus mestres – uma família substituta. Levanto-me junto à minha escrivaninha, como se estivesse num funeral, as orelhas quentes de emoção, os olhos rasos de lágrimas.”

A leitura é enriquecedora de muitas outras maneiras, mas acho que com isso já se pode decidir sobre ler ou não esse livro. Pode ser lido tranquilamente por um leigo que goste de ciência e de história. Prepare-se para derramar algumas lágrimas, rir um pouco e se espantar com o submundo por trás do câncer. Impossível de se arrepender.

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